sábado, 24 de março de 2012

Lembranças ao Pequeno Príncipe


                                         
                 

Por cima desse cometa agora vejo o mundo. Olho depressa, pois o cometa não permite que eu admire com calma nenhuma paisagem. E não o culpo por isso, é da natureza dos cometas ser assim. Se quero conhecer alguma galáxia, ver uma nova constelação de estrelas ou comer o queijo da lua, ora, eu que devo me mudar deste que me encontro nesse momento. No mesmo pulo corajoso e incerto que consegui me agarrar à sua calda. Penso que na vida também deva ser assim. Não vou dizer que pensamentos tortos e preguiçosos  não rondam-me enquanto reclamo dessa correria que o cometa me causa, porque agora também aflige-me o medo do salto, que cresce mais a cada oportunidade. Como já havia calculado antes, meu pulo deve ser rápido e firme, para que eu não caia com muita força e me esborrache no chão. As vezes sinto por não pertencer a nada, não sou da Terra, nem de Júpiter, e não formo nenhuma constelação com o nome de algum animal. Não sou de uma espécie, e nenhuma generalização que me caiba, talvez por isso tenha me tornado tão parecido com o cometa. Não vou dizer que não me sinto vazio. Acho que mudei desde que comecei essa viagem. Em contrapartida, já pude visualizar inúmeras paisagens, e perceber de longe o quanto seres de alguns planetas são contraditórios e engraçados. A melhor parte é imaginar como cada um desses lugares seriam, e como seria se eu também estivesse lá. Isso sempre me faz adormecer. Agora pensando, talvez por isso eu não tenha pulado de vez, acho que por medo de não ser como nos meus sonhos. Antigamente eu tinha um lar, nome próprio e me encontrava com seres iguais a mim. Nada me curou. Saí depressa para não repensar na despedida, deve ter sido melhor assim. Mas confesso que sinto falta de como o calor do Sol me fazia sentir vivo. Suspeito que tenho esperado algo que me faça sentir assim novamente. Hoje aqui estou eu, incurado ainda, mas acho que mais terno. Ouvi falar sobre um menininho loiro que percorrera esse caminho a alguns séculos atrás, sei que ele entenderia como me sinto. Penso que devo ter tomado medo das criaturas, e apego demais a esse velho cometa, que nem sequer pergunta se acordei bem. Mas também nunca pediu que eu me retirasse, carrega-me como barragem há um tempão sem reclamar. Cada vez que olho um planeta meu estômago gela por inteiro, minha cabeça diz que irei cair e continuar a ser anormal, mas meu corpo implora para acabar de vez com essa tortura. Ora dessas eu pulo, e tomo coragem pra ver que cara esse tal de mundo tem. Qualquer dia, topo distraído com o remédio pra curar minha doença de mundo. Aqui no meu cometa mesmo, ou em qualquer salto sob as estrelas.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Hiato e autoria

Você brincou demais e eu fiquei.
Hoje não, hoje você que carregue essa 
sua urucubaca pra lá que eu não vou ouvir.
Hoje você não toma sequer
meus olhos desatentos.
O caminho foi longo enquanto me ocupava de você,
vestia sua dor, e te protegia do mundo.
Hoje como quem não quer nada tive um estalo,
daqueles que nos surpreendem por tamanha
simplicidade.
Eu sou eu, você é você.
E o que é teu, me desculpe, 
é só problema seu.

Tabacaria

''Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
[..]
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos,
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
[..]
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
[..]
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
[..]''
Fernando Pessoa

Reflexo de quem?

Tenho voltado para algo,
que há tanto sentia saudades
Tenho avistado uma estrada,
que não sei ao certo onde me levará
Me flagro a passos curtos,
tímidos e quase que displicentes
Não sinto medo, ao contrário!
Tem um aquecedor em meu peito, 
e preciso repetir, um aquecedor! (não queima)
Acho que estou rejuvenecendo novamente,
quem sabe criança!
Acho que estou criando coragem enfim,
para olhar-me no espelho..
Sem culpa, sem dó, sem dor
O fim do mundo não preocupa-me mais,
tampouco a semana que vem
Penso que esse voto de silêncio me fará imensamente bem
Penso que deva ser assim essa tal de felicidade

terça-feira, 13 de março de 2012

Eu, os mundos e o tempo.

Numa mão seguro o cigarro, na outra as penas de mim e do mundo. Sou deveras humano, e carrego tudo que já vivi nesse formato de corpo desajustado. Acho que não posso fazer muito sobre. Não preciso dizer nada, nem ensaiar discursos formais, preciso de mim, e sei que isso dirá tudo. Sei que carregas toda sua bagagem também, seus ex-amores e seus não- passados. Sei que a bagagem não deveria ser tão pesada, pois já escutei que as pessoas não aguentam pesos alheios. Cada um faz o que pode, cada um dá o que tem. Será mesmo assim? E devo aprender isso a cada dia, e não vou dizer que não dói. Faz meses que me troco, me afogo e me enlaço. Faço isso comigo e com esse tal de mundo (que tem meu tamanho). É meu mundo, o seu mundo, ou toda essa coisa que arregala meus olhos todos os dias e me faz sentir vergonha? Pena que no caminho fique tanta coisa, pena que no caminho eu tenha me perdoado por tanta miséria. E pudera ser diferente? Não posso culpar-me a cada istante pela educação do Brasil ou pela fome da África, enquanto morro aqui com meus abismos egoístas e assisto qualquer porcaria na televisão. Devo largar todo esse figurino mal montado e desmontar-me em tanta dor? Há solução pra esse conflito? Suspeito que mais alguém já se perguntou isso também. Sou patético, sou um falso, falseio minha dor porque não quero chorar. Penso que tenho vergonha de minhas lágrimas, acho que as culpo pela dor emprestada. No fundo, meu peito quer despir tais vestes com calma, e assim cortejar o relógio novamente. Pra quem sabe rirmos e chorarmos juntos, com a alma em paz de que ''o tempo é tão natural''. Quero invejá-lo, como amigo que brilha os olhos e quer ser assim também. Como quem ri tranquilamente e diz ''tudo passa, tudo calma''.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Meu mundo por um caleidoscópio

Prendam-me! Impeçam-me! 
Acho que fiquei louco!
Meu céu está negro,
e no meu chão ficam rodando estrelas,
queijos de lua, e eu!
E meus pés! 
E minha sombra que não me larga não!
Das árvores jorram águas,
e das águas flores.
E te juro que nada disso é sonho.
Estou acordado há dias,
não tenho mais sono nem fome.
Não tenho mais nada!
Não sinto dor também, 
mas meus dedos e meu peito 
não param de latejar. 
Meus pés agora estão sob a minha cabeça.
Mas tenho certeza, estou vivo!

terça-feira, 6 de março de 2012

''O monstro sou eu''


Hoje por acaso, revirando antigos medos em velhas gavetas, vi como num filme tantos ''eus'' que não habitam mais aqui e tanta coisa que pede pra entrar, e descobri algo que me chamou a atenção. Pensei na espera que tomou todo o assento, e em tudo que não era pra ser espera. Da espera que cansou-se de ser assim. Repetições que tomaram conta da casa. Da paisagem cinza que tornou-se semelhante a mim. Tanta reza brava, benzeção, água benta, e pra quê meu deus? Tanto medo dos demônios não me serviram de muita coisa. Velho do saco, homens maus, pesadelos e tanta culpa procurando uma face. Quando enfim criei coragem, entrei naquele tão temido armário rangente de madeira, coloquei vela na mão e raquete na outra, fiz o nome do pai meio sem jeito e fui. Apesar da fumaça por todo lado, pude ver claramente como nunca o fiz. O rosto do monstro na verdade era eu.